5.2.08

A tua partida nunca [me] é [demasiado] fácil.

Raramente me lembro do que sonhei, a não ser quando sonho com a tua partida. Dou por mim a antecipar o momento em que a porta desta casa se fecha atrás do teu vulto esguio. Ouço o barulho seco da porta do teu carro, o estrondo do motor em combustão, o rugido do portão da garagem a fechar. Da varanda, já só vejo as marcas que os pneus deixam no asfalto. A tua partida nunca [me] é [demasiado] fácil.
Chove. Quando tu vais embora, está sempre a chover, quer seja Janeiro, Abril ou Julho. E, tal como nos meus sonhos, chove no mundo real lá fora e chove por dentro dos meus olhos. Chove em toda a parte, a todo o tempo, quando te vais.

© [m.m. botelho], ao som de Into My Arms, de Nick Cave & The Bad Seeds, do álbum The Boatman's Call [1997], aqui numa versão ao vivo.



I don't believe in an interventionist God / but I know, darling, that you do / but if I did I would kneel down and ask Him / not to intervene when it came to you / not to touch a hair on your head / to leave you as you are / and if He felt He had to direct you / then direct you into my arms
into my arms, oh Lord / into my arms, oh Lord / into my arms, oh Lord / into my arms
and I don't believe in the existence of angels / but looking at you I wonder if that's true / but if I did I would summon them together / and ask them to watch over you / to each burn a candle for you / to make bright and clear your path / and to walk, like Christ, in grace and love / and guide you into my arms
into my arms, oh Lord / into my arms, oh Lord / into my arms, oh Lord / into my arms
and I believe in love / and I know that you do too / and I believe in some kind of path / that we can walk down, me and you / so keep your candlew burning / and make her journey bright and pure / that she will keep returning / always and evermore
into my arms, oh Lord / into my arms, oh Lord / into my arms, oh Lord / into my arms

4.2.08

«Partir é demasiado fácil.»

© [m.m. botelho] | algures entre porto e lisboa | setembro de 2007


         «As coisas pioram, o mundo muda. No meu sonho nada evolui. Eu estou sempre como agora. Tu não sais da minha frente. As pessoas não crescem. As árvores não morrem. Se a vida pudesse ser parada, eu parava-a aqui.
         Tenho os meus amigos à minha volta. Durmo numa terra estrangeira. Todos os dias entro em Portugal. Passo a fronteira de pijama. E queria que fosse sempre assim, que não mudassem o lugar às casas e às estradas, que as pessoas passassem sempre à mesma velocidade, cumprimentando-se lentamente lembrando-se dos nomes, com respeito e com prazer.
         Sou contra as viagens. As viagens existem, mas não se deviam forçar. Partir para quê? No meu sonho não descubro terras nem estranhos: descubro-me a mim e à minha casa. Partir é demasiado fácil.»


Miguel Esteves Cardoso | As Minhas Aventuras na República Portuguesa | Lisboa: Assírio & Alvim | 1990 | p. 3

Sem título

- Já sabes viver sem mim?
- Nunca soube.


© [m.m. botelho]