14.1.08

Absolutamente

© [m.m. botelho] | fotografia | janeiro de 2008

Mirou-a de soslaio e o olhar prendeu-se-lhe outra vez, como todas as vezes, na dobra que o tecido do casaco preto fazia no cotovelo. Foi escorrendo, placidamente, pelo braço até chegar ao pulso, depois à mão, tão firme e tão delicada, as unhas sempre tão bem aparadas, tão limpas, tão sóbrias, como convém às pessoas sérias. E ali ficou preso, inteiramente cativo daquelas mãos namoriscando o pacotinho de açúcar, depois a chávena de chá, depois a colher, numa dança de roda em que todos os objectos daquela mesa queriam ser o seu par.
Sentiu vontade de lhe segurar as mãos e ficar ali muito tempo a observar com admiração cada gesto que ela desenhava com a ponta dos dedos. Mas não havia muito tempo, a noite já ia alta e ela tinha alguém à espera. Sustendo a respiração, disse-lhe apenas, ela já meio corpo fora do carro, os cabelos encobertos pelo nevoeiro da madrugada, os braços esticados e o casaco já sem dobras que lhe prendessem o olhar
- Já lhe disse que amo, absolutamente, as suas mãos?
Ela sorriu, sem se deter, e mergulhou definitivamente no breu, toda inteira, uma luva caída na calçada batida, numa noite fria de inverno e névoa.

© [m.m. botelho]