12.7.09

rua de cedofeita

- Disseram-me que o mundo acaba amanhã.
Olhei para o relógio, para o quadradinho minúsculo que marca o dia
12
e disse
- 13 de Julho? O mundo vai acabar no dia 13 de Julho?
Que raio de dia para o mundo acabar.
- Pelos vistos vai, segundo estava a dizer um velho de barbas cinzentas na Rua de Cedofeita.
Ora porra,
pensei
13 de Julho é uma data perfeitamente banal, não me lembro de nada de importante que tenha acontecido noutros dias 13 de Julho que mereça que o mundo acabe por isso.
- Esse velho, tenho ideia de já o ter visto noutros sítios
lembrei-me e disse
- costuma andar com uma saca de plástico na mão, onde vai metendo porcarias que apanha nos caixotes do lixo. Esse velho não sabe sequer o que apanha e enfia para o saco, como há-de saber o que diz?

- O mundo não pode acabar amanhã porque eu ainda não li nenhum livro do Tolstoi
mas tenho julgo que uns três na estante da sala.
- Que se foda o Tolstoi, para que queres ler os livros dele? Achas que ficas mais culta por isso? A mim o que me preocupa é nunca ter lido o Marquês de Sade, a sua Juliette e tantos outros, livros escritos com sangue e esperma e suor e muita merda à mistura.
O Marquês de Sade era um porco de primeira.
- Não digas asneiras. Detesto quando dizes asneiras. Acho que fazes de propósito porque sabes que eu não gosto de palavrões.
A não ser porra, porque eu digo porra aí um milhão de vezes ao dia, mas porra não é asneira, é uma espécie de interjeição de espanto, de indignação e de desabafo, uma espécie de interjeição 3 em 1, pau para toda a obra.
- Não gostas porquê? Não me digas que o teu querido Tolstoi não escrevia asneiras.
- Sei lá se escrevia ou não, já te disse que nunca li nenhum livro do gajo.
- Qualquer palavra em russo soa a asneira, porra.
Então, se calhar, nem sequer gostas do que ele escreve. Tanta conversa, tanta coisa e nem sequer sabes se gostas.

- O que é que vais fazer amanhã? Já decidiste se sempre vais cortar o cabelo?
Ando há que tempos para cortar este cabelo enorme, mudar de penteado, quem sabe, pintá-lo. Há tantas possibilidades.
Quando se tem o cabelo deste tamanho tudo é possível,
é o que dizem sempre os cabeleireiros.
- Sou capaz de ir cortar o cabelo, amanhã. O mundo acaba a que horas?
- Não sei, o raio do velho não disse a hora, só disse o dia. Mas não fiques triste, pode ser que seja só à tarde e ainda dê para cortares o cabelo.
- Mas amanhã que dia é? Olho outra vez para o relógio e vejo
SUN
- Amanhã é segunda-feira.
- À segunda-feira os cabeleireiros estão fechados,
então não posso cortar o cabelo.
O mundo vai acabar e eu com esta melena de leão das Áfricas, que raio de figurinhas para assistir ao fim do mundo
estou capaz de dizer um palavrão
amanhã é segunda-feira
porra.

© [m.m. botelho]