Lavou as mãos com esmero, o mesmo esmero de todas as vezes. Durante largos segundos deixou a água cair sobre as pequeninas manchas com que a idade lhe tatuara a pele morena. As unhas cortadas delicadamente, rentes aos dedos, sempre, sempre limpas. Nunca soubemos porquê, tinha uma predilecção por sabonetes de glicerina vermelha. Preparou o creme branco que espalhou no rosto com o pincel quase tão velho quanto eu e fez a barba. Com a mão esquerda, esforçou-se por aplanar os sulcos do rosto mas, como quase sempre, cortou-se ligeiramente. Maldizia as lâminas de plástico, mas continuava a preferi-las às máquinas. Deixou alguns pêlos brancos a assomarem-se nas patilhas delineadas. Antes de sair, passou pelo barbeiro e cortou o cabelo. Afinal, era vaidoso. Ninguém sabia.
Um dia, um destes dias, despediu-se de nós em voz baixa, quase sumida. Ninguém deu por nada. Fechou a porta e foi-se embora. Os seus pequeninos olhos verdes deixaram-nos na boca um sabor de «até já». Fechou a porta e partiu. Já se contam seis meses inteiros.
Sabes, fazes-nos falta...
Mais do que alguma vez soubemos imaginar.
© [m.m. botelho]
In memoriam José Francisco Botelho [1930-2006]
Um dia, um destes dias, despediu-se de nós em voz baixa, quase sumida. Ninguém deu por nada. Fechou a porta e foi-se embora. Os seus pequeninos olhos verdes deixaram-nos na boca um sabor de «até já». Fechou a porta e partiu. Já se contam seis meses inteiros.
Sabes, fazes-nos falta...
Mais do que alguma vez soubemos imaginar.
© [m.m. botelho]
In memoriam José Francisco Botelho [1930-2006]