Quis ficar ali, estática, impassível, a deixar-me somente trespassar pelo teu olhar. Quis morrer naquela fracção de segundo em que todos os dias morreram. Quedar-me eternamente rígida como os ponteiros do relógio quando se sobrepõem. Fugir de mim mesma, fugir por dentro e por fora de mim. Quis tantas coisas e, no entanto, queria apenas o profundo silêncio, o peso da ausência de tudo. Ser soterrada, imersa, absorvida. Qualquer outra coisa que não fosse ver-te ir, qualquer coisa que não fosse consentir à desesperança que cobrisse os nossos corpos. Quis deixar-me ensurdecer pelos teus gritos mudos, pela estridor dos teus lábios imóveis. Esvaecer em sangue e nevoeiro. Desfalecer, diluir-me, gotejar até ao fim. Prantear a minha própria miséria e maldizer tal sorte. Suster a respiração até entorpecer as pernas e os braços e permitir ao meu coração bater desgovernadamente enquanto não deixasse de sentir saudades tuas. Desde aquele momento continuo a não saber se há lembrança desse amor que um dia esbanjou assim a minha alma. Não sei, até hoje, se a perversidade conseguiu vencer a paixão. Nunca mais voltei a olhar cá para dentro. Temo deixar de te notar a falta, de te querer. Não tenho habilidade alguma para tirar conclusões sobre isto que é a vida real. Recuso-me a parir do interior uma dúvida ainda maior do que esta. Naquela noite tu morreste e eu fiquei moribunda. E sem certezas algumas sobre o desejo da cura.
© [m.m. botelho], ao som de Fado da Dúvida, dos Madredeus, do álbum Faluas do Tejo (2005).
se já não lembras como foi, / se já esqueceste o meu amor, / o amor que dei e que tirei, / não queria lamentar depois. / mas uma coisa é certa, eu sei. / não tive nunca amor maior. / e ainda vivo o que te dei, / ainda sei quanto te amei, / ainda desejo o teu amor.
não tenho esperança de te ver, / não sei amor onde andarás. / pergunto a todo o que te vê / e nunca sei como é que estás. / agora diz-me o que farei / com a lembrança deste amor. / diz-me tu, que eu nunca sei, / se voltarei ou não para ti, / se ainda quero o que sonhei.
© [m.m. botelho], ao som de Fado da Dúvida, dos Madredeus, do álbum Faluas do Tejo (2005).
se já não lembras como foi, / se já esqueceste o meu amor, / o amor que dei e que tirei, / não queria lamentar depois. / mas uma coisa é certa, eu sei. / não tive nunca amor maior. / e ainda vivo o que te dei, / ainda sei quanto te amei, / ainda desejo o teu amor.
não tenho esperança de te ver, / não sei amor onde andarás. / pergunto a todo o que te vê / e nunca sei como é que estás. / agora diz-me o que farei / com a lembrança deste amor. / diz-me tu, que eu nunca sei, / se voltarei ou não para ti, / se ainda quero o que sonhei.