10.11.07

Metade

Começa-se
Sempre
a meio das coisas


Adília Lopes (n. 1960), «13 poemas fáceis», inéditos em «O Escritor», revista da A.P.E., n.os 15/16/17, Março/1991.


Eu e tu começámos a meio de qualquer coisa. A meio de nós, talvez. Dois corpos vagantes que se confundiram um dia sob uma intensa luz branca. Dois pares de olhos que, durante a eternidade que dura uma noite, se diluíram um no outro, debaixo de um candeeiro de onde pingava uma claridade amarelecida. Dois rostos que se perderam de si mesmos enquanto o ruído do silêncio que habitava as nossas bocas se afogava num ritmo ensurdecedor e vertiginoso. Duas mãos que se desmembraram na escuridão de uma rua alcatroada de uma cidade barulhenta tão quieta e calada naquele instante.
Eu e tu não nos cruzámos antes porque então era o princípio. Eu e tu não nos cruzaremos depois porque então será o fim. Cruzámo-nos agora, a meio das coisas, de todas as coisas. Seguiremos em direcções opostas, que o tempo não se compadece com nada, muito menos connosco. A minha estrada segue para Norte, a tua para Sul, paralelamente, mas sem nunca se cruzarem. Diria que fomos um acidente de percursos independentes que nunca ninguém saberá explicar como e porquê se encontraram.
Eu e tu fomos só metade de algo que começou a meio. A outra metade divide-se em duas. Uma delas vai comigo, a outra fica caída junto à berma do teu caminho. Vai-te embora e nunca olhes para trás, não quero que olhes para trás. Não quero que me vejas estancada à tua espera. Segue o teu trilho e deixa-me o meu. A meio das rotas, das vidas, das horas que marcam o relógio começam-se muitas coisas, mas nenhuma delas se termina. Acabam-se as coisas sempre pela metade. Nós acabámos pela metade. E é a incompletude tudo o resta.

© [m.m. botelho], de rajada. Por dentro quero acreditar que faz algum sentido, apesar de cá fora tudo parecer tão desconexo.

Ouve-se, no Viagens Interditas, Lie To Me, dos Devics, do álbum Push The Heart [2006].



you're wasting all your time here / riding around in the sun / alone and idling / come wander back to me / you know I'll always be there
lie to me, lie to me / make like you love me / lie to me, lie to me, oh
with this one you never go / and this one you never show yourself / with this one you tell it all / and turn your world into a ghost town
lie to me, lie to me / make like you love me / lie to me, c'mon it's easy, oh
don't think of what we can't be / I know what you need and you know that you like it / the name you were born with / your soul on your sleeve / let me believe in something