© [m.d. botelho] | fotografia | coimbra | maio de 2001
O que a Faculdade de Direito faz por ti é isto: diz-te que seres jurista significa esquecer os teus sentimentos, esquecer a tua comunidade, e principalmente, se fores mulher, esquecer a tua experiência.Catharine A. MacKinnon | Feminism Unmodified. Discourses on Life and Law | Harvard University Press | 1987 | p. 205
Há uns anos atrás, foste a primeira pessoa a saber, a primeira pessoa a quem liguei, as mãos ainda trémulas entre o contentamento e a tristeza, os olhos ainda assustados, as primeiras lágrimas a quererem manchar-me o rosto e a camisa azul escura. Foi o teu nome o primeiro que disse quando atendeste, voz colocada do outro lado da linha e a minha frase, tão pequena, tão singelamente pequena, fez-te respirar longamente. Do outro lado da linha disseste que tinhas orgulho em mim, que sabias que eu conseguiria, que sempre soubeste que o conseguiria. E eu, tão pequena, tão singelamente pequena, senti-me flutuar no teu orgulho, no orgulho que então disseste ter em mim e me fez sentir mais próxima de ti, do que eras, do que sei que ainda és.
Há uns anos atrás, foste a primeira pessoa a saber, a quem correndo fui levar a novidade, com quem quis sorrir a alegria, mesmo ao telefone, mesmo à distância. A tua voz, àquela hora sempre tão formal, foi quente, nesse dia, aquecida pelo sabor da conquista, daquela conquista que era nossa, como nossas eram todas as conquistas desses dias.
Lembro-me de onde dormi na noite anterior, da roupa que vesti, do exacto sítio onde estacionei o carro. Ainda me vejo, pasta académica na mão esquerda, as fitas a escorregarem
[a tua fita ainda em branco, ainda hoje em branco],
o telefone na mão direita. Ainda ouço o sinal de chamada a entrecortar-me a pulsação
[o meu coração a bater aceleradamente,
a saliva a secar-me na língua]
a saliva a secar-me na língua]
e do outro lado da linha o teu "Sim?" quando atendeste. O meu pé direito no rebordo do passeio, o meu olhar fito no calcário da calçada, o teu nome nos meus lábios e a minha frase, uma palavra, uma única palavra, a soltar-se dos meus dentes e a chegar a ti
[tu do outro lado da linha, costas muito direitas
dentro do blaser, a camisa irrepreensivelmente engomada].
dentro do blaser, a camisa irrepreensivelmente engomada].
E depois o meu nome a sair de ti, a tua alegria a sair de ti, a unir-se à minha do lado de cá da linha e as duas a bailarem em rodopio, suspensas no ar, suspensas na vontade do abraço, no desejo do beijo, as nossas alegrias juntas, em pontas dos pés a dançarem sobre o calcário da calçada.
Naquela calçada ainda há uma réstia da nossa alegria, da alegria daquele dia que evoco hoje, que sempre evocarei a 13 de Outubro. A alegria de sentir o teu orgulho em nós, o teu orgulho em mim e naquilo que já não sabes mas que eu ainda sou.
Não foi à toa que hoje, exactamente hoje, sonhei contigo.
© [m.m. botelho], em dia de memórias, ao som de Second Brain, de Kaki King, do álbum ... until we felt red [2006].
Naquela calçada ainda há uma réstia da nossa alegria, da alegria daquele dia que evoco hoje, que sempre evocarei a 13 de Outubro. A alegria de sentir o teu orgulho em nós, o teu orgulho em mim e naquilo que já não sabes mas que eu ainda sou.
Não foi à toa que hoje, exactamente hoje, sonhei contigo.
© [m.m. botelho], em dia de memórias, ao som de Second Brain, de Kaki King, do álbum ... until we felt red [2006].