© [m.m. botelho] | fotografia | vila do conde | agosto de 2007
Enquanto escrevo, os Camera Obscura fazem cócegas nas colunas do computador. Ouço Books Written For Girls. A voz cálida de Tracyanne Campbell é entrecortada apenas pelo som das teclas a afundarem-se sob a pressão dos meus dedos.
You can compliment me on the style of my hair...
Ergo-me da cadeira e abro a janela. De cada vez que a abro penso sempre a mesma coisa, que esta janela é enorme, tão grande que um dia me engole, me mastiga os ossos e os cospe lá para fora.
You probably thought I had more upstairs...
Regresso à sonatina de caracteres. Escrevo. A claridade do monitor vai inundando a sala, revelando lentamente o que está escrito nos papéis que se espalham sobre a secretária. Há uma ou outra fotografia nesta sala. Quase todas captadas por ti, que eu nunca fui grande fotógrafa. Falta-me a perspicácia e os bons reflexos para disparar no momento certo, na posição correcta, com a iluminação ideal, ou seja, tudo o que tu tens para dar e vender.
Can't see through your perfect smile...
Também não sou grande modelo. Sempre achei que fico mal nas fotografias, mesmo nas que foram tiradas por ti. Às vezes olho e penso que nem pareço eu. Gostava que as fotografias mostrassem mais do que aquilo que os olhos podem entender.
He prides himself on being a man of the world...
Na rua vai um grande reboliço. Já é tarde, mas é Verão e as pessoas aproveitam o bom tempo para virem arejar as suas solidões para a minha rua. Os mais ocupados (ou tímidos), como eu, limitam-se a ficar dentro das casas e a abrir as janelas porque não têm tempo (ou coragem) para mais.
In the darkest of places he gets his thrills...
Os passeios não sentem a falta de gente como eu. Até agradecem o bom senso que me leva a ficar aqui fechada. As calçadas não gostam de gente solitária que tem consciência da sua solidão, preferindo os que a disfarçam em ajuntamentos de final de tarde. Tanta gente desconhecida. Tanta gente que não se conhece.
I think separation is okay...
Da secretária não vejo a rua. Ouço apenas os barulhos, mas não sei de onde vêm. Ouço as vozes, mas não vejo os rostos. Não sei se quem passa é velho ou novo, se homem, se mulher. Da rua não se vê a minha secretária. De lá de baixo ninguém sabe quem fustiga estas teclas. Não sabem quem sou, a que cheiro, de que cor são os meus cabelos.
You're not star to guide me anyway...
Gosto de ficar por aqui mesmo quando já não se ouve ninguém. Sob o peso das horas, a minha solitude há-de brindar com o silêncio da noite não sei a quê. E a quietude será tanta cá dentro como lá fora, tanta nos outros como em mim.
A fool... played by your rules...
Enquanto vou escrevendo vou-me lembrando de todas as pessoas que passaram aqui hoje e que eu não sei quem são. Imagino-as agora em casa, com as televisões ligadas num canal com chuva, descalçando os sapatos, palpando os pés inchados, o cheiro do suor impregnado nas roupas que despem e atiram sobre as cadeiras, as mãos húmidas segurando o despertador, os suspiros provocados pelo calor, o peso da imensa tristeza por mais um dia ter chegado ao fim. Quase posso vê-las a mirar a sua própria sepultura, certas de que um dia a mais é sempre um dia a menos, certas de que a terra que hoje pisaram amanhã há-de cobri-las.
People get shattered in many ways...
Tu não passaste por aqui hoje, nem ontem, nem em nenhum dos dias que correram desde a última vez que aqui estiveste. Posso dizer que já não sei quem és nem a que cheiras embora ainda guarde bem viva na memória a cor dos teus cabelos. Imagino-te também a ti contando as horas que faltam não sei para quê. Também para mim e para ti um dia a mais é sempre um dia a menos, também a nós nos espera um buraco sem fundo quando já não tivermos de ajustar o despertador.
They can disappoint you...
Todos os dias são dias de fim para alguém e esse alguém somos muitas vezes nós mesmos. Estou tão farta de enterrar pessoas vivas. Estou tão farta de sepultar em silêncio e frio e seco tanta gente. Tão farta de, sempre que me lembro de ti, imaginar o teu retrato sobre um monte de terra que te cobre o corpo todo e te apaga da superfície da minha vida. Ao menos tu ficas sempre bem nas fotografias. O teu sorriso é sempre perfeito. Deve ser por isso que quando olho para o teu rosto eternizado no papel sou capaz de ver muito mais do que os olhos podem entender.
When you see through their perfect smile...
© [m.m. botelho], ao som de Books Written For Girls, dos Camera Obscura, do álbum Underachievers Please Try Harder [2003].
you can compliment me on the style of my hair / give me marks out of ten for the clothes that I wear / you probably thought I had more upstairs.
I disappoint you. / can't see through your perfect smile.
he likes to read books written for girls. / he prides himself on being a man of the world. / in the darkest of places he gets his thrills.
He will disappoint you / If you see through his perfect smile.
I think separation is okay. / you're not star to guide me anyway. / you only wanted me to play. / a fool... played by your rules.
now my door has swollen from the rain. / god knows we'll never see her face again. / people get shattered in many ways.
they can disappoint you / when you see through their perfect smile.
You can compliment me on the style of my hair...
Ergo-me da cadeira e abro a janela. De cada vez que a abro penso sempre a mesma coisa, que esta janela é enorme, tão grande que um dia me engole, me mastiga os ossos e os cospe lá para fora.
You probably thought I had more upstairs...
Regresso à sonatina de caracteres. Escrevo. A claridade do monitor vai inundando a sala, revelando lentamente o que está escrito nos papéis que se espalham sobre a secretária. Há uma ou outra fotografia nesta sala. Quase todas captadas por ti, que eu nunca fui grande fotógrafa. Falta-me a perspicácia e os bons reflexos para disparar no momento certo, na posição correcta, com a iluminação ideal, ou seja, tudo o que tu tens para dar e vender.
Can't see through your perfect smile...
Também não sou grande modelo. Sempre achei que fico mal nas fotografias, mesmo nas que foram tiradas por ti. Às vezes olho e penso que nem pareço eu. Gostava que as fotografias mostrassem mais do que aquilo que os olhos podem entender.
He prides himself on being a man of the world...
Na rua vai um grande reboliço. Já é tarde, mas é Verão e as pessoas aproveitam o bom tempo para virem arejar as suas solidões para a minha rua. Os mais ocupados (ou tímidos), como eu, limitam-se a ficar dentro das casas e a abrir as janelas porque não têm tempo (ou coragem) para mais.
In the darkest of places he gets his thrills...
Os passeios não sentem a falta de gente como eu. Até agradecem o bom senso que me leva a ficar aqui fechada. As calçadas não gostam de gente solitária que tem consciência da sua solidão, preferindo os que a disfarçam em ajuntamentos de final de tarde. Tanta gente desconhecida. Tanta gente que não se conhece.
I think separation is okay...
Da secretária não vejo a rua. Ouço apenas os barulhos, mas não sei de onde vêm. Ouço as vozes, mas não vejo os rostos. Não sei se quem passa é velho ou novo, se homem, se mulher. Da rua não se vê a minha secretária. De lá de baixo ninguém sabe quem fustiga estas teclas. Não sabem quem sou, a que cheiro, de que cor são os meus cabelos.
You're not star to guide me anyway...
Gosto de ficar por aqui mesmo quando já não se ouve ninguém. Sob o peso das horas, a minha solitude há-de brindar com o silêncio da noite não sei a quê. E a quietude será tanta cá dentro como lá fora, tanta nos outros como em mim.
A fool... played by your rules...
Enquanto vou escrevendo vou-me lembrando de todas as pessoas que passaram aqui hoje e que eu não sei quem são. Imagino-as agora em casa, com as televisões ligadas num canal com chuva, descalçando os sapatos, palpando os pés inchados, o cheiro do suor impregnado nas roupas que despem e atiram sobre as cadeiras, as mãos húmidas segurando o despertador, os suspiros provocados pelo calor, o peso da imensa tristeza por mais um dia ter chegado ao fim. Quase posso vê-las a mirar a sua própria sepultura, certas de que um dia a mais é sempre um dia a menos, certas de que a terra que hoje pisaram amanhã há-de cobri-las.
People get shattered in many ways...
Tu não passaste por aqui hoje, nem ontem, nem em nenhum dos dias que correram desde a última vez que aqui estiveste. Posso dizer que já não sei quem és nem a que cheiras embora ainda guarde bem viva na memória a cor dos teus cabelos. Imagino-te também a ti contando as horas que faltam não sei para quê. Também para mim e para ti um dia a mais é sempre um dia a menos, também a nós nos espera um buraco sem fundo quando já não tivermos de ajustar o despertador.
They can disappoint you...
Todos os dias são dias de fim para alguém e esse alguém somos muitas vezes nós mesmos. Estou tão farta de enterrar pessoas vivas. Estou tão farta de sepultar em silêncio e frio e seco tanta gente. Tão farta de, sempre que me lembro de ti, imaginar o teu retrato sobre um monte de terra que te cobre o corpo todo e te apaga da superfície da minha vida. Ao menos tu ficas sempre bem nas fotografias. O teu sorriso é sempre perfeito. Deve ser por isso que quando olho para o teu rosto eternizado no papel sou capaz de ver muito mais do que os olhos podem entender.
When you see through their perfect smile...
© [m.m. botelho], ao som de Books Written For Girls, dos Camera Obscura, do álbum Underachievers Please Try Harder [2003].
you can compliment me on the style of my hair / give me marks out of ten for the clothes that I wear / you probably thought I had more upstairs.
I disappoint you. / can't see through your perfect smile.
he likes to read books written for girls. / he prides himself on being a man of the world. / in the darkest of places he gets his thrills.
He will disappoint you / If you see through his perfect smile.
I think separation is okay. / you're not star to guide me anyway. / you only wanted me to play. / a fool... played by your rules.
now my door has swollen from the rain. / god knows we'll never see her face again. / people get shattered in many ways.
they can disappoint you / when you see through their perfect smile.