19.3.06

Sem título

Belinda balbuciava
Breves palavras ao vento.
Belinda dizia, eu escutava
Aqueles sons como um lamento.
E ao longe um barco,
Em que remava
Outra Belinda,
Um outro vento.
O seu lamento era outro,
Porém a mim dirigido,
Confundindo os sentimentos,
Inundando-me o ouvido,
Belinda gritava, chorava,
E o olhar agudo que me lançava
Arrebatava-me,
Pregava-me ao chão.
E o que mais me fascina em Belinda
É ela não ter coração.
E à noite, no silêncio,
Se sopra um pouco de vento,
Não são uivos que ouço,
Não é frio que sinto,
Mas Belinda que vejo,
A Belinda que minto.
Nos sonhos largos da canção
Que ela canta sem cessar
É meu olhar que se quebra,
É meu peito a soluçar.
Acorda-me agora Belinda
E no sobressaltado acordar
Não é Belinda que acho,
É apenas sombra e mar.
E se fecho de novo os olhos,
Ela lá está a cantar
Os mesmos lamentos de sempre,
Que sempre neguei escutar.
Belinda volta-se, enfim,
Seus olhos são grandes, negros,
Crava-os, então em mim
E os meus, que sinto a arder,
Porque pouco já posso fazer,
De nada servem,
Estão cegos.

© [m.m. botelho]