Sally Mann [n. 1951] | Jessie Bittes | 1985
Entrei no carro do meu pai. Sem saber porquê, recordei-me de um momento passado muitos anos antes na escola preparatória, quando uma rapariga chamada Michele Fox me colocou perante um dilema ético bem conhecido da maioria das crianças das escolas americanas dessa época: «Se um museu estivesse a arder», disse ela, «e tu só pudesses salvar a velhinha ou uma obra de arte de valor inestimável, qual salvarias?». «Bem», respondi eu, «isso depende. Quem é a velhinha? Qual é a obra de arte?». Ao que ela respondeu… de forma sensata, estou certo… «Não estás a perceber a questão, David Leavitt». Não havia dúvida que eu não percebia a questão – a questão dela, uma vez que a Michele tinha poucas dúvidas na vida. (Quando cresceu, tornou-se telefonista dos Serviços de Emergência.) Quanto a mim, torturei-me com aquele pequeno enigma durante anos, substituindo a velhinha primeiro pela minha tia Ida, depois por Edora Welty; a obra de arte inestimável substituí-a primeiro pela Mona Lisa depois pelo Guernica de Picasso. E de cada vez a minha resposta era diferente. Umas vezes optava pela vida, outras pela Arte. E, surpreendentemente, a partir daquele capricho formou-se em mim uma filosofia segundo a qual apenas as particularidades contavam, não as generalidades, pois os princípios raramente são coisas humanas; e quando um museu arde – quando qualquer edifício arde –, a verdade é que a maioria das pessoas se salva a si própria.
David Leavitt | Arkansas | Parte I, «Trabalhos de Artista» | tradução de Paula Teixeira | Edições Asa | 1999 | pág. 70
David Leavitt | Arkansas | Parte I, «Trabalhos de Artista» | tradução de Paula Teixeira | Edições Asa | 1999 | pág. 70