13.3.08

Chuva num monitor cinzento

Ela é somente um sonho. Ela não é real, não pode ser real. Ela ultrapassa a realidade, comece a realidade onde começar, vá à velocidade que for, seja lá isso o que for, isso de ultrapassar. Ela só pode ser fruto da minha imaginação. Digam-me que ela é fruto da minha imaginação. Que não pode ter cheiro, nem cor, nem vida para lá do meu cérebro, para lá do meu corpo, da minha vontade de a materializar cá dentro. Digam-me que ela não passa de um pesadelo, de uma visão futurista e idealista da minha cabeça, de um não-querer muito imenso e muito intenso que eu tive guardado no peito a sete chaves durante tanto tempo. Digam-me que ainda não foi agora que ela ganhou vida. Digam-me que, para lá desta televisão dessintonizada em que se tornou o mundo dentro dos meus olhos, ela não existe, ela se esfuma, ela não passa de poeira invisível. Digam-me que ela é apenas chuva num monitor cinzento que não se deixa domesticar por um controle-remoto. Digam-me que ela não veio de repente, não me abriu a porta de casa e não me levou tudo. Digam-me, digam-me, digam-me. Digam-me, por favor, que esta noite não foi a noite em que a morte veio para me roubar de mim.

© [m.m. botelho]