16.3.06

Todos os lugares são longe daqui.

Passaram já muitos anos desde que nos encontrámos pela primeira vez. Nesse dia, o sol andava escondido por entre as nuvens, a sussurrar-lhes ao ouvido as intrigas cá de baixo e de vez em quando elas juntavam-se para rir dos males alheios, deixando o dia mais lúgubre.
Lembro-me do cheiro desse dia. Não cheirava a nada e, contudo, cheirava como só aquele dia cheirou, como só os dias podem cheirar quando o sol não aquece a terra.
Saí de casa cedo, ainda o dia mal despertara, quase como que adivinhando que iria ver-te sem saber sequer que existias. Saí de casa como tantas outras vezes saíra, porque todos os dias eu adivinhava que andavas por aí, por todos os Lugares, sem saber sequer que existias.
O longo Tempo foi escorrendo dos ponteiros de todos os relógios, mas não dos nossos. Não sabia sequer que tinha relógio, não sabia sequer que havia Tempo. Não havia horas e as ampulhetas serviam ingenuamente para aprisionar grãos de areia roubados aos desertos... e o meu Tempo era Deserto.
Passaram já muitos anos desde aquela manhã de sombras diluídas em inquietude e eu continuo hoje sem saber dizer se são as nuvens que tingem o céu de azul ou o céu que as mancha de branco. Talvez nunca venha a sabê-lo, nesta minha certeza de que há um Tudo para além do Absoluto que me é vedado. As nuvens existiam já no céu antes do dia em que nos encontrámos pela primeira vez. Desde então, continuam as suas incansáveis jornadas ignorando fronteiras, raias, limites.
Na sombra dessas nuvens, todos os lugares são longe daqui, e em todos eles começa e acaba cada uma das nossas infinitas Viagens Interditas.

© [m.m. botelho]