20.9.08

Janeiro de 93

Às vezes adormeço e ainda é Janeiro de 1993. Está frio. Acabaram as aulas no Liceu e eu estou de mochila às costas e fato-de-treino vestido a caminho da piscina. Levo encostadas aos ouvidos as almofadas cor-de-laranja de uns headphones com arco, ligados a um walkman onde toca uma cassete do álbum Bigger, Better, Faster More!. Depois, no balneário, lembro-me que amanhã tenho aula de piano e nem pus os olhos em cima do Czerny. Não há-de ser nada. As calças do meu fato-de-treino têm fechos nos tornozelos e a minha falta de perícia para lidar com eles entala uma vez mais o forro. Entretanto a hora chegou e já oiço lá fora o apito estridente do treinador. O balneário fica vazio, eu procuro os óculos no fundo da mochila e enfio à pressa os chinelos nos pés.
Dentro de água não me lembro das canções da cassete, do livro de música, das calças pelo avesso dentro da mochila. Foco todas as minhas atenções na respiração na cadência das braçadas. Vou contando cada uma das 25 piscinas crawl que tenho de fazer enquanto procuro concentrar-me na pernada que tenho de melhorar.

Depois acordo e já é Setembro de 2008. Que é feito dos 4 Non Blondes, do meu Czerny, dos meus headphones, da minha mochila preta? Quase me custa a crer que tenham passado quinze anos, mas passaram mesmo. Já passaram quinze anos e tanta coisa que continua igual, cá dentro, entalada como o forro das calças do meu fato-de-treino azul num fecho que eu ainda não sei correr.

© [m.m. botelho]