7.11.06

O tudo que resta

© [m.m. botelho]
© [m.m. botelho] | fotografia | casa da música | porto | abril de 2006
no [nosso] Tempo de atrás, cicatrizes do meu corpo


De que me valem as tuas fotografias amontoadas diante dos olhos?
De que me valem os teus poemas dispersos sobre a secretária?
De que me valem os teus escritos a latejar-me por dentro?
De que me vale o coração a inquietar-me o peito?
De que me vale o choro a varrer o silêncio?
De que me valem duas mãos trémulas vazias?
De que me vale o Tempo de atrás?
De que me valem as cicatrizes deste corpo?
De que me valem olhos cegos de escuro?
De que me valem os dias vertidos no calendário?

De que me valem as palavras mudas?
De que me valem os segredos gritantes?
De que me valem os números dos dias?
De que me valem as memórias dos meus vinte anos?

De que me vale o tudo que resta, o pouco que resta?

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)


O que me resta é tudo o que vale.

© [m.m. botelho]
e excerto de Há Palavras Que Nos Beijam [1958] | Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões [1924-1986] | No Reino da Dinamarca | Lisboa | Relógio d'Água | 1997