12.4.07

Neurose

Deixa-me dizer-te isto de uma assentada, enquanto a escassa coragem que ainda me resta não se vai embora de uma vez e me deixa para sempre sufocar no que preciso desesperadamente de passar para as palavras.

[Inspiro.]

Faz-me um favor. Pára de falar que já não aguento mais as tuas palestras sobre os horários, os teus lamentos sobre os impostos, o teu choramingar quando não consegues vir-te. Não suporto mais que me expies quando vou levar o lixo à rua. Já te disse que não tenho nenhum caso com o vizinho da frente, nem com o vizinho do lado, nem com o filho da merceeira. É verdade que são todos bem mais bonitos do que tu, mas os homens não se querem bonitos, ou se querem muito, ou se querem pouco, independentemente da beleza. Não tenho culpa de que não tenhas sido o primeiro homem com quem vivi e de que a esse não chegues sequer aos calcanhares nas questões da cama. Já te disse que o teu pénis não te parece sempre pequeno porque passas o dia inteiro a olhar para ele. Eu olho-o pouco e a mim também me parece sempre pequeno, sempre pequeno demais para aquilo que eu preciso, que o meu corpo precisa, porque eu preciso de mais, muito mais, de um pénis, de sonhar, de ter, de comer, de conhecer. Preciso de mais do que o que tu podes dar-me sempre atafulhado nas tuas paranóias, sempre a cismar em vinganças e esquemas e planos A, B e C. Oxalá o filho da merceeira me cobiçasse como eu o cobiço a ele quando te tenho no meio das minhas pernas a resfolegar. Oxalá ele me levasse daqui, para bem longe de ti e das tuas obssessões. Pensando melhor, o filho da merceeira também vive aqui no bairro, com ele não iria muito longe, aposto que onde ele mora ainda se sente o cheiro imundo dos teus pés, ainda se vê a porcaria que tens nas unhas. Não, esse longe que ele me pode dar não me chega. Amanhã não vou trabalhar. Meto-me no carro, faço-me à estrada, andar por aí. Vou para a cama com o primeiro homem que me aparecer pela frente e que meça mais de um metro e oitenta. Nunca fui para a cama com um homem alto e sempre achei que os homens altos, por estarem mais perto das nuvens, seriam capazes de sonhar. Amanhã vou para a cama com um homem alto e, se tiver sorte, ele há-de apaixonar-se por mim. Há-de ficar a pensar em mim, levar-me consigo, dentro da cabeça, eu bem agachada dentro da sua cabeça, para longe daqui, bem longe de ti, do teu fedor, do teu pénis ridículo, da tua neurose, desta deprimência de vida que tenho ao teu lado. E, se calhar, ainda te digo que te pus os cornos. Talvez me mates de uma vez e me poupes ao tormento de passar o resto da vida contigo.

[Expiro.]

© [m.m. botelho]