25.4.07

À tua espera [parte 2]

São duas da manhã e tu ainda não voltaste. Desliguei o fogão e comi algum arroz. Tens razão quando dizes que o meu arroz sabe sempre mal. No fundo, sabe a arroz, que todo o arroz sabe a arroz, até o teu.
Gostamos de disfarçar o sabor do que comemos com condimentos e refogados fortes. Gostamos de disfarçar os fedores com perfumes e essências florais. Gostamos de disfarçar o senão da bela com lindos vestidos.
Deixa-me comer este arroz desenxabido. Deixa-me descalçar os sapatos e cheirar os meus próprios pés. Deixa-me ver ao espelho as minhas rugas, a minha barba grande, o meu cabelo em desalinho, os meus dentes amarelecidos pelo tabaco. Enquanto espero por ti, não quero mais do a crueza da realidade que sou e em que me movo. Mas só enquanto espero por ti, porque sei que não tardarás a bater à porta.

[continua]

© [m.m. botelho]