30.4.08

Chinelos

Hoje arrumei os meus chinelos emparelhados com os teus na despensa. Fiquei a olhar para eles durante muito tempo, a ver como ficam bem os nossos chinelos lado a lado, sobre o branco frio do pavimento da despensa.
Antes, costumava pasmar, literalmente, durante horas perante as nossas escovas de dentes no mesmo copo. Olhava tanto para elas que quase as via enroscarem-se uma na outra, dizerem coisinhas bonitas e enamoradas ao ouvido uma da outra, rirem muito às gargalhadas do tubo de dentífrico, sempre tão inchado, tão sozinho e tão altivo no seu canto. Eu sei que por ti o nosso tubo de pasta de dentes teria como companheiro permanente outro tubo de pasta de dentes, mas parece-me um desperdício de dinheiro ter dois tubos de pasta de dentes abertos ao mesmo tempo. Além disso, as escovas, coitadas, haveriam de sentir-se apertadas, esmagadas uma de encontro à outra, e já não poderiam andar por ali a vaguear, dentro do copo, de mão dada.
A despensa é grande. Ainda podemos comprar muitos pares de chinelos, sapatos, botas, galochas e ténis e guardá-los lá, lado a lado, que nenhum deles se sentirá apertado. Tenho a certeza de que, por muito tempo, os nossos chinelos darão longos passeios a par. Passeios como os que nós damos quando os nossos corpos se encaixam debaixo dos lençóis e o odor dos teus cabelos é brisa que nos empurra, mar afora.

© [m.m. botelho]