13.5.08

Sinto o sol por dentro

O dia está a terminar. O céu já não mostra o sol, as nuvens já não parecem tão brancas como o algodão ou as peúgas do barbeiro onde o meu pai corta o cabelo. Quando me lembro do barbeiro do meu pai, ouço o barulho do afã da pequenina tesoura que tem sempre entre os dedos. E vejo as madeixas de cabelo do meu pai caírem desamparadas no chão frio de linóleo da barbearia. A vassoura da menina Arminda há-de juntá-las a um canto. Mas isto já sou eu a perder-me nas palavras.

Todas as noites seguro entre as mãos as madeixas dos teus cabelos, separo-as com os dedos, sinto-lhes o cheiro do teu champô com extractos de argila. O sol mostra-se nos teus olhos. O cão adormece pachorrento aos nossos pés, a claridade do nosso amor não o perturba. É essa luz que me faz enfrentar todos os meus medos, que se dissipam, nuvens brancas como o algodão empurradas pelo vento. Contigo sinto o sol por dentro, mesmo se o dia já terminou.

© [m.m. botelho], ao som de Come Feel The Sun, dos Tindersticks, do álbum The Hungry Saw [2008].



why don't you come out / the guards have gone / they forgot their purpose and shuffled / their lungs have come feel the sun
why don't you come out / the dogs lie sleeping / their lips they twitch with the chills in their dreams / they come feel the sun
why don't you come out / and exact your revenge / and the liers and wasters / that call themselves friends / for to forgive is overrated / as they need but your affiance / so come feel the sun
why don't you come out / we are missing / your wife and babies / that just want to hold you / so come feel the sun / touch your fears / make everything the same as it was