11.7.07

Um ano

Passou já um ano desde que te foste embora. Eu não sabia que uma despedida podia ser tão demorada como esta nossa está a ser. Todos os dias te digo adeus e todos os dias te reencontro. Hoje cruzo-me contigo muito mais do que quando estavas aqui, junto a mim. Tu ainda continuas aqui, junto a mim - basta pôr a mão sobre o peito e depressa te sinto lá dentro -, mas a verdade é que já não estás aqui, junto a mim, como estavas dantes. Agora estás mais, mais aqui e mais junto a mim. Por isso, este nosso adeus tem sido, afinal, uma série de sucessivos «até já». Passo a vida a esbarrar-me contigo em tudo e em todos. Haverias de ver como és tão evidente, tão evidente, nos olhos da avó a todas as horas.
Continuas a fazer-me uma falta terrível, dentro do coração e dentro de casa. Tenho saudades do teu assobio, do barulho das chaves quando chegavas, de te ouvir chamar os nossos nomes. E de que me peças os sapatos para engraxar, que me perguntes as horas.
Nunca haveria de imaginar ser capaz de descobrir a revelação da tua presença de outro modo: na minha memória. Mas fui, aliás, tenho sido. E de ti tenho a melhor memória que se pode ter de alguém.
Ainda assim, não importa os dias, os meses, os anos que passem, hás-de fazer-me sempre uma falta terrível.

© [m.m. botelho]

In memoriam José Francisco Botelho [1930-2006].